English Version
In Beyond My Steps (2019), directed by Kamy Lara, five Angolan dancers explore the concepts of tradition, culture, memory and identity. Throughout the film, they incessantly question the transformation and deconstruction of these themes in their own lives. The film follows the creation of the 2017 show (De)Construction, choreographed by Mónica Anapaz from the Contemporary Dance Company of Angola.
The narrative is built around the migrant experiences of the five dancers, who all come from separate Angolan provinces, as they arrive in Luanda. The film follows the main characters along their new paths, tracing the changes that happen in their thinking on identity. Their arrival in the capital prompts them to share reflections on what it means to remain original as they continue along their new paths.
The city’s rhythm flows at a faster pace, changing the ways in which they are used to socialising and putting them in a bubble of individualism. In the frenetic and erratic capital, time runs against itself and relationships do not develop with the same organic longevity and intensity.
Each dancer deals with the question of personal integrity versus adjusting to the new reality, based on their previous experiences and background. This duality leads us to another central question of the film: should tradition remain in its original form or should it be reshaped, adjusting to contemporary manners? Change is almost always synonymous with tension and anguish. Isn’t one’s way of being the result of different social, temporal and even biological mutations? Why should traditions remain static, if they can also be transformed, following the rhythm of the here-and-now? As these questions emerge throughout the film, different traditional dances from the North to the South of Angola unfold, through which the performance of (De)Construction was conceived.
We also observe a sense of respect for what has already been there, reflected in both the dancers and Ana Clara Guerra Marques, founder and director of the Dance Company. Mónica Anapaz (choreographer) and Nuno Guimarães (assistant director) play a major role in the way these questions form the dance piece; each acknowledge the role these traditional dances and cultures play in their practices and how they incorporate elements inspired by tradition into their movements and costumes.
The film responds to the lack of financial support for culture in Angola by highlighting how will and commitment serve as a driving force for the first contemporary dance company in the country. The dedication of all those involved ends up overcoming the lack of budget and the limitations of logistics.
Beyond My Steps presents us with all the questions related to identity, when one navigates an identity evoked by both tradition and modernity. The film begins by exposing the contrasts between the countryside and the city with reference to the dancers’ different background(s). The filmmaker makes use of different focal lengths, drones, steadicam and tripod to offer the viewer a multilayered visual composition.
The film’s visual contrast is accompanied by a sonic one, as Gotopo’s soundtrack invites us to enter a sound journey that oscillates between calmness and tension. Contrast is certainly the concept that best sums up Beyond My Steps, as it remains present from the beginning till the end, creating a thread between the film’s diegesis and audio.
Winning four awards at different cinema festivals, Beyond My Steps is another exceptional production by Geração 80 which invites us to be both spectator and thinker, urging us to explore our social dynamics with the past, present and future.
Versão em Português
Em Para Lá Dos Meus Passos (2019), de Kamy Lara, cinco bailarinos angolanos exploram os conceitos de tradição, cultura, memória e identidade, questionando a transformação e a desconstrução destes temas nas suas próprias vivências, durante a criação da peça (Des)Construção da coreógrafa Mónica Anapaz, da Companhia de Dança Contemporânea de Angola.
A narrativa constrói-se à volta da própria experiência migrante dos cinco bailarinos. Provenientes de várias províncias do país, a chegada a Luanda marca uma nova etapa nas noções de identidade de cada um, refletindo sobre o que de original permanece ao longo das suas vivências.
A forma como o ritmo da cidade flui numa cadência mais acelerada, criando uma maior individualidade entre as pessoas, foi o primeiro aspeto que marcou cada bailarino. Na frenética e errática capital, o tempo corre e não permite que as relações sociais se desenvolvam com a mesma facilidade, intensidade e longevidade.
Fruto de uma educação e realidade diferentes, o dilema de cada bailarino passa a ser sobrevivência da sua essência ou a adaptação. Essa dualidade remete-nos para outra questão central do filme: a tradição deve manter-se tal como é ou deve moldar-se ao tempo e às gentes de hoje?
Mudar é quase sempre sinónimo de tensão e angústia. Mas não é a nossa forma de ser e estar resultado de diferentes mutações sociais, temporais e até biológicas? Se sim, porque deverão as tradições manterem-se estáticas em vez de transformadas e desconstruídas na cadência da mudança dos tempos?
Esses questionamentos surgem ao longo da película, enquanto vamos assistindo a diferentes danças tradicionais do Norte ao Sul de Angola, sobre as quais se idealizou a peça (Des)Construção.
Uma outra noção bem patente, tanto pelos bailarinos, como por Ana Clara Guerra Marques, a “maestrina” da Companhia de Dança, é o respeito por aquilo que já existe. E aí, entram também em cena Mónica Anapaz, coreógrafa, e Nuno Guimarães, assistente de direção e ensaiador, predispostos a primeiro reconhecerem e aprenderem essas danças tradicionais e culturas para depois, numa fase de releitura, poderem incorporar movimentos e figurinos contemporâneos.
Em Angola, o investimento na Cultura ainda não está inserido no plano de prioridades, mas a vontade e o engajamento são a força motriz daquela que é a primeira Companhia de Dança Contemporânea do país. A dedicação de todos os intervenientes, numa movimentação social e individual que se organiza conforme as necessidades para a concretização da peça, acabam por sobrepor-se à falta de budget e às limitações de logística.
Para Lá Dos Meus Passos marca também visualmente todos os questionamentos de identidade que navegam entre o tradicional e o contemporâneo. Começa com os contrastes entre o campo e a cidade, em referência ao ponto de partida dos bailarinos e o ponto de chegada, Luanda. Os planos com diferentes distâncias focais, drones, steadycam ou em tripé, enriquecem a narrativa, oferecendo ao espectador uma composição visual trabalhada ao detalhe.
Esse contraste visual vem acompanhado de um contraste sonoro, trabalhado por Gotopo, que nos faz variar entre uma calma aparente e um desassossego desconcertante.
Contraste é sem dúvida a palavra que melhor resume Para Lá Dos Meus Passos. Está presente desde o início ao fim do filme, como um fio condutor entre a mensagem, a encenação e o áudio.
Com quatro prémios no seu palmarés, Para lá Dos Meus Passos é mais uma excecional produção da Geração 80, que nos tira do lugar de apenas espectadores para nos colocar no lugar de pensantes das nossas dinâmicas sociais de ontem, de hoje e de manhã.